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Américas perdem status de região livre do sarampo; doença é altamente transmissível e pode matar

Ministério da Saúde alerta para sarampo e reforça vacinação em todo o país O sarampo voltou a preocupar as autoridades sanitárias das Américas. A Organi...

Américas perdem status de região livre do sarampo; doença é altamente transmissível e pode matar
Américas perdem status de região livre do sarampo; doença é altamente transmissível e pode matar (Foto: Reprodução)

Ministério da Saúde alerta para sarampo e reforça vacinação em todo o país O sarampo voltou a preocupar as autoridades sanitárias das Américas. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) anunciou, nesta semana, que a região perdeu o status de área livre de transmissão endêmica, após o Canadá registrar circulação contínua do vírus por mais de 12 meses. O Brasil, segundo o Ministério da Saúde, mantém a certificação de eliminação, obtida novamente em 2024. Mas o país voltou a registrar surtos localizados em 2025, com 34 casos confirmados até setembro, a maioria no estado do Tocantins. “É um grande retrocesso para as Américas e um alerta para o Brasil. Mostra que todo o esforço para eliminar o sarampo precisa ser renovado”, afirma Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Embora o vírus ainda não tenha retomado circulação sustentada no Brasil, a desinformação e a queda vacinal continuam abrindo brechas. Um levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV), publicado pelo g1 em outubro, mostrou que o país concentra 40% de toda a desinformação antivacina da América Latina e Caribe. A pesquisa mapeou 1,47 milhão de mensagens falsas publicadas entre 2019 e 2025 em 1.785 comunidades do Telegram, com alegações que vão de “danos neurológicos” a supostos “antídotos naturais” contra vacinas. Vacina tríplice viral imuniza contra rubéola, sarampo e caxumba PMBV/Divulgação Casos recentes e surtos pontuais De acordo com o Painel Epidemiológico do Ministério da Saúde, o país confirmou 34 casos de sarampo entre janeiro e setembro de 2025, distribuídos em sete unidades da federação: Tocantins (25), Mato Grosso (3), Rio de Janeiro (2), Maranhão (1), São Paulo (1), Distrito Federal (1) e Rio Grande do Sul (1). Desde então, novos casos já foram registrados. O surto mais expressivo ocorreu em Campos Lindos (TO), após quatro brasileiros voltarem da Bolívia infectados. O episódio resultou em 25 infecções, sendo 22 dentro da própria comunidade e três na população geral. No Rio de Janeiro, dois bebês menores de um ano, sem histórico vacinal, também foram diagnosticados — ambos sem origem conhecida da infecção. “Casos esporádicos como esses não significam retorno da transmissão endêmica, mas indicam que o vírus ainda encontra brechas entre os não vacinados”, informa o Ministério da Saúde. Uma das doenças mais contagiosas do mundo O sarampo é uma das infecções mais contagiosas conhecidas. Transmitido por via respiratória, o vírus pode permanecer suspenso no ar por até duas horas, o que facilita a disseminação mesmo em ambientes fechados após a saída do infectado. “O vírus do sarampo fica em suspensão no ar –é um aerosol. Se dez pessoas entram em contato com alguém infectado e não estão vacinadas, nove vão se contaminar. O sarampo não poupa suscetíveis”, explica Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm e presidente da Câmara Técnica de Eliminação do Sarampo do Ministério da Saúde. Os sintomas incluem febre alta, manchas avermelhadas da cabeça aos pés, irritação nos olhos e conjuntivite. Em casos graves, a doença pode evoluir para pneumonia, encefalite e até cegueira. Em crianças, pode levar à morte. “Mesmo depois da cura, há um efeito imunológico que deixa o organismo mais vulnerável a outras infecções. Por isso o sarampo é tão perigoso, especialmente para crianças pequenas e desnutridas”, diz Kfouri. Surto de sarampo na Bolívia preocupa o Brasil. Manchas no corpo estão entre os sintomas da doença. Adobe Stock Cobertura vacinal em queda é o principal fator Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a cobertura média da segunda dose da vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) nas Américas foi de 79% em 2024, bem abaixo dos 95% recomendados para impedir surtos. No Brasil, a queda histórica das coberturas evidencia a fragilidade da imunização. Dados do Ministério da Saúde mostram que a primeira dose (D1) da tríplice viral caiu de 96,0% em 2015 para 80,7% em 2022 --o menor índice em quase uma década. Desde então, houve recuperação parcial: 90,5% em 2023, 95,8% em 2024 e 91,5% em 2025. Já a segunda dose (D2), que é essencial para consolidar a proteção, manteve trajetória mais preocupante: 79,9% em 2015, despencando para 57,6% em 2022, e subindo apenas para 68,5% em 2023, 80,4% em 2024 e 75,5% em 2025. Cobertura vacinal de tríplice viral no Brasil “A queda da cobertura vacinal é o principal fator. Não há outro motivo para o retorno do sarampo. Quando a imunização cai, os suscetíveis se acumulam, e o vírus encontra espaço”, alerta Isabella Ballalai, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). A recuperação recente ainda é considerada insuficiente para garantir imunidade populacional. “O desafio agora é manter dois pilares: vigilância e vacinação. O Brasil tem feito bloqueios eficientes, mas precisa elevar a segunda dose. É o que garante proteção duradoura”, reforça Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm e presidente da Câmara Técnica de Eliminação do Sarampo do Ministério da Saúde. Desinformação e cansaço pós-pandemia Para os imunologistas, a hesitação vacinal tem várias causas –e a desinformação digital apenas uma delas. “A vida corrida e a falsa sensação de segurança fazem com que famílias posterguem doses. A desinformação entra nesse cenário e amplifica o medo”, diz Ballalai. O estudo da FGV mostrou que o Brasil é o epicentro da desinformação antivacina na América Latina, com redes organizadas que espalham boatos sobre infertilidade, autismo e teorias de conspiração. “A pandemia piorou a percepção de risco. As vacinas caíram no esquecimento e viraram alvo fácil. Quando a população deixa de ver a doença, acha que ela não existe mais”, avalia Kfouri. Como funciona a certificação de eliminação O país só recebe a certificação de eliminação do sarampo quando documenta um ano inteiro sem transmissão local, mas, segundo Kfouri, não basta dizer que não há casos: é preciso provar que está procurando e testando. “Existem critérios técnicos claros: vigilância clínica, laboratorial e de fronteira. É preciso mostrar que você investigou casos suspeitos, coletou amostras no prazo certo, fez a segunda amostra confirmatória e atingiu os indicadores mínimos de vigilância”, explica o imunologista. Essas evidências são avaliadas por câmaras técnicas e comitês internacionais antes de a OPAS confirmar a certificação. “Quando o país diz que não tem sarampo, precisa demonstrar que procurou e não encontrou. Só assim se comprova que não há circulação do vírus”, reforça. Casos importados ou secundários –como familiares de um infectado que voltou do exterior– não configuram transmissão sustentada, desde que o vírus não circule livremente por mais de 12 meses. “É o que diferencia o Brasil do Canadá hoje. Lá, o vírus circula há um ano sem precisar de viagem para se manter ativo”, compara Kfouri. Vacina contra o sarampo Divulgação/SES-TO Um retrocesso reversível Apesar do alerta da OPAS, os especialistas consideram que o cenário brasileiro ainda é controlado e reversível. “O Brasil tem experiência e estrutura para conter o sarampo rapidamente, como já fez antes”, afirma Ballalai. “Mas precisamos agir com rapidez e confiança.” “Com vacinação contínua e vigilância ativa, podemos eliminar o sarampo pela terceira vez. Mas isso depende de mobilizar a população e combater a desinformação com ciência”, reforça Kfouri.